Meu reino por uma ereção
Impulsionados pelo temor da impotência, afrodisíacos
correram o mundo
Mary Del Priore*
“Que tens,
caralho, que pesar te oprime
que assim te
vejo murcho e cabisbaixo
sumido entre
essa basta pentelheira,
mole, caindo
perna baixo”.
Assim começa “Elixir do Pajé”, poema
de Bernardo Guimarães publicado clandestinamente em 1875. Ele trata de um
assunto que assombrava a sociedade patriarcal: a impotência sexual masculina.
Considerada verdadeira maldição, ela provocava profundo sofrimento e situações
de humilhação entre os homens. Ao longo de séculos, não faltam indicações do
sonho de ereções permanentes e infatigáveis, mostrando que a obrigação da
virilidade habita há tempos a nossa cultura.
Mas por que tanta ansiedade? Está na
Bíblia: “Crescei e multiplicai-vos”. E era papel do homem garantir esta
operação. Um breve papal de 1587 definia a impotência masculina como um
impedimento ao sacramento do matrimônio. Os processos contra “maridos frígidos”
se espalharam pela Europa entre os séculos XVI e XVIII. Não faltaram
julgamentos públicos nos quais os homens tinham que fazer, seminus, “exames de
elasticidade” ou ereção.
Com as grandes navegações européias,
os poderes das substâncias afrodisíacas correram o mundo. Portugal era a porta
de entrada desses produtos. O pequeno reino se constituiu em ponto de
distribuição das especiarias de luxo vindas do Oriente. Perfumes da China e do
subcontinente asiático e saberes fitoterápicos da América se uniam para a
fabricação de filtros capazes de resolver casos de impotência.
Um dos mais notáveis cronistas a
perceber a importância dos afrodisíacos foi o português Garcia da Orta,
estudioso da farmacopéia oriental que viveu no século XVI. Entre suas
prescrições estavam a Cannabis sativa (banguê ou maconha) e o ópio.
Fundamentado em sua convivência com os indianos, Orta sabia que o ópio era
usado para agilizar a “virtude imaginativa” e a retardar a “virtude expulsiva”,
ou seja: controlar o orgasmo e a ejaculação. Além destes dois produtos, Orta
menciona o betel, uma piperácea cuja folha se masca em muitas regiões do Oceano
Índico. Sobre seu uso, lembra que “a mulher que há de tratar amores nunca fala
com o homem sem que o traga mastigado na boca primeiro”.
Muitas especiarias eram consideradas
afrodisíacas, como o açafrão, o cardamomo, a pimenta negra, o gengibre, o
gergelim, o pistache e a noz-moscada. Outras substâncias com a mesma e poderosa
reputação eram o âmbar e o almíscar, produtos que a Europa só foi conhecer no
século XVI. A colonização da Ásia, da África e da América fez aumentar a
variedade dos afrodisíacos utilizados. E não só entre plantas e alimentos. O
rinoceronte proveniente da Guiné tinha raspas do chifre comercializadas devido
a essa reputação, o que, aliás, ocorre até hoje.
Primeiro observador encarregado de
fazer um relatório de história natural do Brasil, o holandês Guilherme Piso
(1611-1678) registrou também, embora mais discretamente, algumas plantas
afrodisíacas. Segundo ele, tanto “a pacoba quanto a banana são consideradas
plantas que excitam o venéreo adormecido. Os portugueses as vendem diariamente
o ano todo, afirmando que podem tornar o homem mais forte e mais capaz para os
deveres conjugais”. As propagadas virtudes do amendoim também chamaram sua
atenção.
Em obras publicadas na Europa,
plantas vindas dos novos mundos eram divididas de acordo com suas propriedades,
em rubricas como “amor, para incitá-lo”, “jogos de amor” e “para fortificação
da semente” (ou seja, do sêmen). Em 1697, um desses livros menciona dezenove
substâncias úteis para o sexo, extraídas dos reinos animal (genital de galo,
cérebro de leopardo, formigas voadoras) e vegetal (jaca, orquídeas, pinhões).
O contato com os índios na América
portuguesa levou ao emprego do fogo nos procedimentos de cura da impotência.
Homens untavam o escroto e a região púbica com sebo de bode, “sentando-se sobre
brasas vivas”. Provavelmente nasceu de tal prática a expressão “estar sentado
em brasas”. Garrafadas à base de catuaba, largamente utilizadas até os dias de
hoje, também decorrem dos conhecimentos fitoterápicos dos tupis-guaranis.
Na culinária, havia receitas
específicas para “engendrar e facilitar a ereção e o coito”. Ingredientes como
as ostras, o chocolate e a cebola eram apreciadíssimos, assim como a
alcachofra, a pêra, os cogumelos e as trufas. O médico do rei D. João V, Francisco
da Fonseca Henriques, em seu livro Âncora Medicinal (1731), cita pelo menos
cinco plantas – a menta, o rabanete, a cenoura, o pinhão e o cravo –,
atribuindo-lhes o dom de “provocar atos libidinosos e incitar a natureza para
os serviços de Vênus”. Segundo ele, uma dieta casta devia evitar alimentos
quentes, fortes e condimentados, aliando-se a tal cardápio outras terapias,
como banhos frios e aplicações tópicas de metais.
Este era o outro lado da moeda:
embora os afrodisíacos tivessem nobre função social, num tempo em que a Igreja
controlava corações e mentes, os excessos sexuais eram considerados pecado ou
doença. Como antídoto, eram receitados anafrodisíacos, definidos como “aqueles
remédios que ou moderam os ardores venéreos ou mesmo os extinguem”. No sumário
de alguns herbários constavam plantas com finalidades variadas: ao lado
daquelas que podiam “induzir a fazer amor”, outras evitavam “sonhos venéreos
quando se polui sonhando” ou eram capazes de “fazer perder o apetite para jogos
de amores”.
A mais eficaz das plantas
antieróticas revelava seu efeito no próprio nome: o agnus castus tornava o
homem “casto como um cordeiro porque ele reprime o desejo de luxúria”. Havia
anafrodisíacos que agiam “espessando a semente” e tornando-a, portanto, mais difícil
de escorrer. Nessa categoria estavam as sementes de alface, melancia e melão.
Outra opção era utilizar metais como chumbo, mármore e pórfiro – aplicados
sobre o períneo ou sobre os testículos, essas “frígidas” substâncias faziam
diminuir o ardor.
Alguns produtos mudaram de finalidade
com o tempo. O chocolate, antes usado até durante o jejum católico, passou a
ser condenado por provocar excesso de calor. Em seu lugar, surgiu a louvação
antierótica do café, que só mais tarde seria visto como excitante.
O uso excessivo de afrodisíacos
provocava o aparecimento de “doenças” de origem sexual, como a erotomania. Esta
“febre amorosa” atingia homens e mulheres, provocando inchação no rosto,
aumento dos batimentos cardíacos, sufocações, raivas, furores uterinos,
satiríases e outros “perniciosos sintomas”. A cura demandava sangrias
abundantes – nos braços, pés e atrás das orelhas –, dietas que excluíam tudo o
que fosse “quente”, banhos gelados ou dormir sobre tábua dura.
Tanto em Portugal quanto na América
portuguesa, vivia-se a crença de que poderes demoníacos atuavam sobre o corpo e
a sexualidade. Neste caso, pouco importavam as explicações médicas, mais
valendo a simbologia dos rituais mágicos. Defumar as partes vergonhosas com os
dentes de uma caveira, pendurar galhos de artemísia na porta de casa ou passar
esterco da pessoa amada no sapato direito eram formas de expulsar o demônio que
causava a impotência. Comer uma pega, ave corvídea também conhecida por
pica-pica, como ajudava! “Urinar num cemitério pela argola da campa [sineta] de
uma sepultura” tinha que funcionar! Untar o membro com “água que cair da boca
de qualquer cavalo” era eficácia garantida! Para os casais que desejassem
apenas se prevenir deste mal, recomendava-se ao marido “trazer consigo o
coração da gralha macho e à mulher, o da gralha fêmea”.
Aos nossos olhos, esse parece outro
mundo: a obrigação de procriar, o medo do maligno, o preconceito, a opressão da
Igreja, os feitiços, as simpatias e crendices. Atualmente, a impotência é
tratada como uma especialidade médica como outra qualquer. Será? O entusiasmo
com que foi recebida uma certa pílula azul talvez demonstre que ainda estão bem
vivos entre nós alguns traços daquela antiga maneira de pensar.
*Mary Del Priore é professora do
curso de pós-gradução em História da Universidade Salgado de Oliveira
(Universo), sócia honorária do IHGB e autora de História do Amor no Brasil
(Contexto, 2005). Fonte: Revista de
História da Biblioteca Nacional.
Saiba Mais -
Bibliografia:
CARNEIRO, Henrique. Filtros, mezinhas e triacas – as drogas
no mundo moderno. São Paulo: Xamã, 1994.
CARNEIRO, Henrique. Amores e sonhos de flora – afrodisíacos e
alucinógenos na botânica e na farmácia. São Paulo: Xamã, 2002.
DARMON, Pierre. O tribunal da impotência – virilidade e
fracassos conjugais na França. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
DEL PRIORE, Mary, História do Amor no Brasil (Contexto,
2005).
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