quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

No tempo em que não existia viagra: meu reino por uma ereção


Meu reino por uma ereção

Impulsionados pelo temor da impotência, afrodisíacos correram o mundo

Mary Del Priore*

“Que tens, caralho, que pesar te oprime
que assim te vejo murcho e cabisbaixo
sumido entre essa basta pentelheira,
mole, caindo perna baixo”.


Assim começa “Elixir do Pajé”, poema de Bernardo Guimarães publicado clandestinamente em 1875. Ele trata de um assunto que assombrava a sociedade patriarcal: a impotência sexual masculina. Considerada verdadeira maldição, ela provocava profundo sofrimento e situações de humilhação entre os homens. Ao longo de séculos, não faltam indicações do sonho de ereções permanentes e infatigáveis, mostrando que a obrigação da virilidade habita há tempos a nossa cultura.
Mas por que tanta ansiedade? Está na Bíblia: “Crescei e multiplicai-vos”. E era papel do homem garantir esta operação. Um breve papal de 1587 definia a impotência masculina como um impedimento ao sacramento do matrimônio. Os processos contra “maridos frígidos” se espalharam pela Europa entre os séculos XVI e XVIII. Não faltaram julgamentos públicos nos quais os homens tinham que fazer, seminus, “exames de elasticidade” ou ereção.
Com as grandes navegações européias, os poderes das substâncias afrodisíacas correram o mundo. Portugal era a porta de entrada desses produtos. O pequeno reino se constituiu em ponto de distribuição das especiarias de luxo vindas do Oriente. Perfumes da China e do subcontinente asiático e saberes fitoterápicos da América se uniam para a fabricação de filtros capazes de resolver casos de impotência.
Um dos mais notáveis cronistas a perceber a importância dos afrodisíacos foi o português Garcia da Orta, estudioso da farmacopéia oriental que viveu no século XVI. Entre suas prescrições estavam a Cannabis sativa (banguê ou maconha) e o ópio. Fundamentado em sua convivência com os indianos, Orta sabia que o ópio era usado para agilizar a “virtude imaginativa” e a retardar a “virtude expulsiva”, ou seja: controlar o orgasmo e a ejaculação. Além destes dois produtos, Orta menciona o betel, uma piperácea cuja folha se masca em muitas regiões do Oceano Índico. Sobre seu uso, lembra que “a mulher que há de tratar amores nunca fala com o homem sem que o traga mastigado na boca primeiro”.
Muitas especiarias eram consideradas afrodisíacas, como o açafrão, o cardamomo, a pimenta negra, o gengibre, o gergelim, o pistache e a noz-moscada. Outras substâncias com a mesma e poderosa reputação eram o âmbar e o almíscar, produtos que a Europa só foi conhecer no século XVI. A colonização da Ásia, da África e da América fez aumentar a variedade dos afrodisíacos utilizados. E não só entre plantas e alimentos. O rinoceronte proveniente da Guiné tinha raspas do chifre comercializadas devido a essa reputação, o que, aliás, ocorre até hoje.
Primeiro observador encarregado de fazer um relatório de história natural do Brasil, o holandês Guilherme Piso (1611-1678) registrou também, embora mais discretamente, algumas plantas afrodisíacas. Segundo ele, tanto “a pacoba quanto a banana são consideradas plantas que excitam o venéreo adormecido. Os portugueses as vendem diariamente o ano todo, afirmando que podem tornar o homem mais forte e mais capaz para os deveres conjugais”. As propagadas virtudes do amendoim também chamaram sua atenção.
Em obras publicadas na Europa, plantas vindas dos novos mundos eram divididas de acordo com suas propriedades, em rubricas como “amor, para incitá-lo”, “jogos de amor” e “para fortificação da semente” (ou seja, do sêmen). Em 1697, um desses livros menciona dezenove substâncias úteis para o sexo, extraídas dos reinos animal (genital de galo, cérebro de leopardo, formigas voadoras) e vegetal (jaca, orquídeas, pinhões).
O contato com os índios na América portuguesa levou ao emprego do fogo nos procedimentos de cura da impotência. Homens untavam o escroto e a região púbica com sebo de bode, “sentando-se sobre brasas vivas”. Provavelmente nasceu de tal prática a expressão “estar sentado em brasas”. Garrafadas à base de catuaba, largamente utilizadas até os dias de hoje, também decorrem dos conhecimentos fitoterápicos dos tupis-guaranis.
Na culinária, havia receitas específicas para “engendrar e facilitar a ereção e o coito”. Ingredientes como as ostras, o chocolate e a cebola eram apreciadíssimos, assim como a alcachofra, a pêra, os cogumelos e as trufas. O médico do rei D. João V, Francisco da Fonseca Henriques, em seu livro Âncora Medicinal (1731), cita pelo menos cinco plantas – a menta, o rabanete, a cenoura, o pinhão e o cravo –, atribuindo-lhes o dom de “provocar atos libidinosos e incitar a natureza para os serviços de Vênus”. Segundo ele, uma dieta casta devia evitar alimentos quentes, fortes e condimentados, aliando-se a tal cardápio outras terapias, como banhos frios e aplicações tópicas de metais.
Este era o outro lado da moeda: embora os afrodisíacos tivessem nobre função social, num tempo em que a Igreja controlava corações e mentes, os excessos sexuais eram considerados pecado ou doença. Como antídoto, eram receitados anafrodisíacos, definidos como “aqueles remédios que ou moderam os ardores venéreos ou mesmo os extinguem”. No sumário de alguns herbários constavam plantas com finalidades variadas: ao lado daquelas que podiam “induzir a fazer amor”, outras evitavam “sonhos venéreos quando se polui sonhando” ou eram capazes de “fazer perder o apetite para jogos de amores”.
A mais eficaz das plantas antieróticas revelava seu efeito no próprio nome: o agnus castus tornava o homem “casto como um cordeiro porque ele reprime o desejo de luxúria”. Havia anafrodisíacos que agiam “espessando a semente” e tornando-a, portanto, mais difícil de escorrer. Nessa categoria estavam as sementes de alface, melancia e melão. Outra opção era utilizar metais como chumbo, mármore e pórfiro – aplicados sobre o períneo ou sobre os testículos, essas “frígidas” substâncias faziam diminuir o ardor.
Alguns produtos mudaram de finalidade com o tempo. O chocolate, antes usado até durante o jejum católico, passou a ser condenado por provocar excesso de calor. Em seu lugar, surgiu a louvação antierótica do café, que só mais tarde seria visto como excitante.
O uso excessivo de afrodisíacos provocava o aparecimento de “doenças” de origem sexual, como a erotomania. Esta “febre amorosa” atingia homens e mulheres, provocando inchação no rosto, aumento dos batimentos cardíacos, sufocações, raivas, furores uterinos, satiríases e outros “perniciosos sintomas”. A cura demandava sangrias abundantes – nos braços, pés e atrás das orelhas –, dietas que excluíam tudo o que fosse “quente”, banhos gelados ou dormir sobre tábua dura.
Tanto em Portugal quanto na América portuguesa, vivia-se a crença de que poderes demoníacos atuavam sobre o corpo e a sexualidade. Neste caso, pouco importavam as explicações médicas, mais valendo a simbologia dos rituais mágicos. Defumar as partes vergonhosas com os dentes de uma caveira, pendurar galhos de artemísia na porta de casa ou passar esterco da pessoa amada no sapato direito eram formas de expulsar o demônio que causava a impotência. Comer uma pega, ave corvídea também conhecida por pica-pica, como ajudava! “Urinar num cemitério pela argola da campa [sineta] de uma sepultura” tinha que funcionar! Untar o membro com “água que cair da boca de qualquer cavalo” era eficácia garantida! Para os casais que desejassem apenas se prevenir deste mal, recomendava-se ao marido “trazer consigo o coração da gralha macho e à mulher, o da gralha fêmea”.
Aos nossos olhos, esse parece outro mundo: a obrigação de procriar, o medo do maligno, o preconceito, a opressão da Igreja, os feitiços, as simpatias e crendices. Atualmente, a impotência é tratada como uma especialidade médica como outra qualquer. Será? O entusiasmo com que foi recebida uma certa pílula azul talvez demonstre que ainda estão bem vivos entre nós alguns traços daquela antiga maneira de pensar.

*Mary Del Priore é professora do curso de pós-gradução em História da Universidade Salgado de Oliveira (Universo), sócia honorária do IHGB e autora de História do Amor no Brasil (Contexto, 2005).  Fonte: Revista de História da Biblioteca Nacional.
    Saiba Mais - Bibliografia:
CARNEIRO, Henrique. Filtros, mezinhas e triacas – as drogas no mundo moderno. São Paulo: Xamã, 1994.
CARNEIRO, Henrique. Amores e sonhos de flora – afrodisíacos e alucinógenos na botânica e na farmácia. São Paulo: Xamã, 2002.
DARMON, Pierre. O tribunal da impotência – virilidade e fracassos conjugais na França. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
DEL PRIORE, Mary, História do Amor no Brasil (Contexto, 2005).


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